segunda-feira, 30 de junho de 2014

Há esperança para os que partiram sem conhecer a Cristo?





Por Hermes C. Fernandes


Recentemente estive em um debate radiofônico em que uma mesa formada por quatro pastores abordou suas perspectivas acerca dos conflitos geracionais e da evasão de jovens das igrejas. Contei-lhes sobre a maneira como meu pai logrou conquistar meu coração com um singelo gesto de amor no momento de maior rebeldia em minha conturbada adolescência.

Assim que terminei meu relato, um dos pastores pediu para compartilhar sua própria experiência com o seu pai. Imaginei que seria algo próximo do que relatei. Em vez disso, sua história conseguiu embargar minha voz. Contou-nos que fora criado num lar ateísta, e que seu pai detestava qualquer tipo de religiosidade. Já na adolescência, foi trabalhar na empresa de seu pai. Qual foi sua surpresa quando um dia a secretária convidou-o para fumar um baseado de maconha. Constrangido, disse-lhe que não poderia fazer tal coisa, pois seu pai estava ali. Pelo que a secretária retrucou, contando que seu próprio pai também consumia a droga. Com o dinheiro dado pelo pai, ele e a secretária dirigiram-se a uma boca de fumo próxima e adquiriram quantidade suficiente para ser consumida pelos três. Sob o efeito da droga, pai e filho acabaram compartilhando os favores sexuais da secretária.

Imaginei que seu relato sofreria uma guinada, mas em vez disso, ele contou que seu pai morreu ateu, e que ele, por sua vez, veio a conhecer Jesus enquanto desfolhava uma Bíblia. Impactado pelo Jesus que emergia das páginas dos Evangelhos, saiu à Sua procura em várias igrejas, mas aquilo que era pregado dos púlpitos não parecia em nada com a proposta do Jesus que conhecera. Mais tarde, ainda desiludido, entrou numa igreja onde o discurso se assemelhava com o de Cristo, ficando ali até tornar-se pastor após a conclusão de seu seminário.

Passei o dia pensando sobre aquilo.

Como me sentiria sabendo que meu próprio pai teria tido um fim daqueles? Como conviveria com a ideia de que ele poderia estar no inferno, enquanto eu estivesse convidando pessoas a desfrutarem do céu?

Sou a terceira geração de pastores da minha família. Meu avô materno foi pastor. Meu pai, idem. Meus tios e primos por parte de mãe, meus cunhados e irmãos, são todos cristãos comprometidos com o Reino de Deus. Isso me traz um enorme conforto. Sei que ao deixarmos este mundo, reencontrar-nos-emos na glória celestial.

Como compartilhar tal conforto com quem tem uma história diferente da minha?

Creio firmemente que um dos papéis que devem ser desempenhados pela igreja é a promoção da conversão dos pais aos filhos e dos filhos aos pais. Em se tratando de famílias onde os pais e os filhos servem ou serviram a Cristo, tal missão é relativamente fácil. Mas como podemos reconciliar pais e filhos quando os mesmos se encontram em posição antagônica com relação a Cristo?

Para responder a isso, temos que considerar a abrangência da obra reconciliadora promovida por Cristo em Sua Cruz.

“E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus.”
Colossenses 1:20

Nada ficou fora do escopo desta reconciliação. Todas as gerações passadas, presentes e futuras. Em termos espaciais, podemos dizer que o termo “céus” refere-se ao avesso da realidade, isto é, àquilo que não é perceptível aos sentidos, à esfera espiritual, também chamada de “regiões celestiais”. Não se trata, portanto, de uma localização geográfica, algum ponto para além das galáxias. Quando se fala de céu como estando acima de nós, trata-se de uma metáfora que indica a sua superioridade em relação à esfera terrena.

Lembrando a teoria dos conjuntos que aprendemos ainda no ensino fundamental, o céu contém a terra. Estamos rodeados pelos céus, tanto o sideral, quanto o espiritual. Por isso, Paulo cita os filósofos gregos no areópago de Atenas: “Nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração” (Atos 17:28).

No sentido temporal, o termo “céus” refere-se ao futuro, ao porvir. O que hoje é latente, no futuro será patente. O que hoje se oculta, no futuro será revelado. Coisas que nossos olhos ainda não viram e nossos ouvidos jamais ouviram, todavia, já estão preparadas para aqueles que amam a Deus. Embora reais hoje, são imperceptíveis aos sentidos humanos, mesmo estando imersos nesta realidade.

Já o termo “terra” é uma referência ao presente, ao que nos é contemporâneo e patente aos olhos, ao momento histórico em que estamos vivendo.

Para nós, humanos, céus e terra são realidades distintas. Vivemos o presente e ansiamos pelo futuro. Porém, para Deus, são facetas da mesma realidade, para quem não há distinção entre passado, presente e futuro. Ele os habita concomitantemente, podendo transitar livremente entre eles. Para Deus, o passado não passou e o futuro é tão presente quanto o próprio presente.

Com estas definições em mente, podemos dizer que céus e terra, presente e futuro, bem como os que neles habitam, foram reconciliados com Deus em Cristo Jesus. Mas não para por aí.

Em outra passagem, Paulo vai um pouco mais longe, incluindo também o passado no escopo desta reconciliação.

“Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.” Filipenses 2:10-11

A expressão “debaixo da terra” refere-se ao passado e seus habitantes, àquela esfera existencial abaixo de camadas sucessivas de poeira histórica. Aquilo que foi e já não o é. Metaforicamente, é o mundo dos mortos, às vezes chamado de inferno (gregoHades, hebraico Sheol).

Tudo quanto hoje está na superfície, um dia estará “debaixo da terra”. O que hoje é presente, amanhã será passado. O dia chamado “hoje”, o momento chamado “agora” é que determinará o que vai pra debaixo da terra e o que será remetido aos céus, o que vai ficar perdido no passado para sempre, e o que será remetido ao futuro.

O escritor de Hebreus afirma que há coisas abaláveis que precisam ser removidas, para que somente as inabaláveis permaneçam (Hb.12:27-29). Todas terão que passar pela prova de fogo. Nas palavras de Paulo, aquilo que for palha não subsistirá, mas o que for ouro, prata ou pedra preciosa permanecerá. O dia demonstrará com que material edificamos nossa existência. Se o que houvermos feito se mostrar resistente ao tempo e ao fogo, seremos galardoados. Caso contrário, sofreremos prejuízo. Ainda nas palavras do apóstolo, “o tal será salvo todavia como que pelo fogo” (1 Co.3:15). Em outras palavras, sua existência será condenada ao passado (de lá não passará!), porém, sua essência será reconciliada com Deus, mesmo que pelo fogo. Não haverá segunda chance! O que se viveu, viveu. O passado se manterá intocável.O inferno só é eterno porque Deus decidiu que o passado não pode ser alterado.

A despeito disso, o passado pode ser relido, reinterpretado à luz da contribuição que deu ao futuro. Dizer que Cristo tem a chave do hades (inferno) pode significar que em Cristo temos a chave hermenêutica da história (e não apenas das Escrituras!). Através d’Aquele que era, que é e que há de vir, podemos reexaminar o passado e reinterpretá-lo.

Dizer que os habitantes das esferas inferiores haveriam de confessar o senhorio de Cristo é o mesmo que afirmar que teriam suas consciências finalmente reconciliadas com Deus. Afinal, como afirmou Paulo, quem quer que com sua boca confessar que Jesus é o Senhor, “será salvo” (Rm.10:9).

Seu passado continua lá, onde sempre esteve. Porém, agora, seus olhos são desvendados, e sua mente capaz de processar a síntese, dando-lhe uma visão panorâmica da história, e de como sua própria existência se encaixa no propósito divino, ainda que pareça ter sido um completo desperdício. Deus, o grande Alquimista e Reciclador do Universo sabe como transformar lixo existencial em ouro!


Mesmo um pecado como o de Davi com Bate-seba pode resultar numa bênção como Salomão.

O propósito de Deus é alinhar todas as coisas, como quem justifica as linhas de um texto digitado no computador.

Prelúdio, interlúdio e poslúdio se harmonizam na grande sinfonia da história, composta e regida pelo sumo maestro.

João ficou estupefato quando se lhe descortinou a realidade por trás do cenário da existência. Em seu relato registrado no livro de Apocalipse, o vidente afirma ter ouvido“toda a criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre” (Apocalipse 5:13). Nenhuma esfera existencial ficou de fora do escopo da redenção.


Se faltasse uma só esfera, seria como um coral em que não houvesse uma das várias categorias de vozes: contralto, tenor, barítono, baixo e soprano. Sob a batuta de Cristo, as diferentes categorias vocais se harmonizam.

Poderíamos definir a reconciliação como uma harmonização de cada fato dentro do quadro geral da história. Cada peça do mosaico encontrará seu lugar e se harmonizará com as demais, provendo um sentido amplo e profundo da trama universal.

Ser reconciliado é compreender seu papel dentro da execução dos propósitos divinos e assim, ter sua alma apaziguada. É compreender o dom da vida sob a perspectiva de um propósito que a transcende.

A maior necessidade do ser humano não é de sobrevivência ou de conforto material, mas de encontrar sentido para sua existência. O acaso não nos convence. O caos não nos parece razoável. Almejamos desesperadamente beleza, simetria, destino, propósito. A razão pela qual nos sentimos tão miseráveis perante as tragédias é que elas não fazem o menor sentido. Que sentido haveria num pai enterrar seu próprio filho? A ordem natural não é que os filhos enterrem os pais? Que sentido há num cataclismo que ceifa milhares de vidas? Não nos soa como um desperdício? Como explicar a prodigalidade da natureza? Ainda que não admitamos, no fundo, achamos que Deus nos deve alguma explicação. Mas na maioria das vezes, Ele parece manter-Se em silêncio. É como se sussurrasse em nossos ouvidos o que disse a Pedro: “O que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois” (João 13:7).

A vida precisa valer a pena, e para tal, tem que fazer sentido. Salvar-se é perceber-se parte de um plano maior. Somos salvos da insignificância. Ser salvo seria viver por aquilo pelo qual se dispõe a morrer. É reconhecer que a missão que recebemos ao nascer é mais importante e sagrada do que a vida em si (At.20:24). E segundo Jesus, somente abrindo mão dela é que se pode salvá-la. O inverso também é verdadeiro. Quando se faz questão de preservá-la, ela escorre por entre os dedos (Lc.17:33). Quem nunca se dispôs a um sacrifício por um bem maior, não sabe realmente o que é viver.

Viver pela fé é encontrar este sentido na perspectiva do futuro. É ter a certeza de que no final tudo se encaixará perfeitamente, e de que não ficarão perguntas sem respostas. Não que Deus nos deva explicação, mas Ele certamente fará questão de nos desvendar os olhos a fim de que nos maravilhemos e nos regozijemos em Seu glorioso plano.


Ao deixarmos a esfera temporal, encontramos a plenitude do sentido em retrospectiva. Por enquanto, resta-nos alegrar-nos com vislumbres proporcionados pela fé. Há coisas que ainda não compreendo, mas prefiro confiar. O futuro justificará as aflições do tempo presente. Como bem disse Paulo: “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm.8:18).

Lembro-me da última viagem que fiz com meu pai antes de seu falecimento em 2001. Estávamos caminhando pelas ruas de sua terra natal, a pacata cidade de Irupi no interior do Estado do Espírito Santo. De repente, ao pararmos de frente a um barranco, meu pai começou a chorar. Contou-me que ali seu pai lhe havia dado a última surra aos 19 anos. Sem jamais ter-lhe dado uma explicação, seu pai tomou um chicote usado em burro, e bateu nele até deixa-lo arriado. Na madrugada seguinte, meu pai pegou suas coisas e saiu de casa em direção ao Rio de Janeiro. Senti a dor que ainda havia no coração do meu velho pai e quis atenuá-la, consolando-o de alguma maneira. Como que por insight, disse-lhe: Acho que tenho uma resposta, pai. Não sei o porquê, mas imagino que haja um ‘pra quê’. Não fosse aquela surra, o senhor não teria ido para o Rio, onde conheceu a minha mãe, e principalmente, a Jesus. Logo, não fosse aquela surra injusta, eu não estaria aqui ao seu lado.

Dizer que Jesus é o Senhor é reconhecer que Ele sempre esteve por trás dos bastidores da história, conduzindo-a segundo o Seu eterno propósito. É reconhecer que nada aconteceu, acontece ou acontecerá por acaso. Tudo coopera para o bem daqueles que O amam e que são chamados segundo o Seu propósito (Rm.8:28).

Cada nota dissonante tem seu lugar na sinfonia composta por Deus. Isolando-a, não tem beleza alguma. Mas colocando-a entre outras notas, percebe-se sua beleza.

Que beleza haveria na grotesca cena da crucificação? Isaías exprime seu horror ao vislumbrá-la:

“Não tinha formosura nem beleza; e quando olhávamos para ele, nenhuma beleza víamos, para que o desejássemos. Era desprezado, e rejeitado dos homens; homem de dores, e experimen-tado nos sofrimentos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum. Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e carregou com as nossas dores; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.” Isaías 53:2-5

A cruz, como um evento isolado, parece-nos brutal, sem sentido, pitoresco, mas na perspectiva do plano de redenção, é o capítulo mais glorioso da história da humanidade. É o amor revelado em toda a sua majestade.

Jesus sabia o que teria que passar, e quando Seus discípulos tentaram dissuadi-lo, Ele respondeu:

“Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora? Mas para isto vim a esta hora.” João 12:27

Quando não se vive na perspectiva da fé, valorizamos o momento em si, e não o que ele representa no contexto geral. O que importa é livrar-nos da dor, do sofrimento momentâneo, e não cumprir o propósito que nos trouxe até aqui. Porém, a fé nos faz vislumbrar o resultado de tudo aquilo, de sorte que a dor é sublimada para que a missão seja cumprida. Ainda que a alma se perturbe, ela não esmorecerá. O que tiver que ser, será. Então, que se cumpra em nós a Sua vontade, mesmo que nos custe nosso conforto.


O problema é que não enxergamos a vida em perspectiva. Tudo o que nos importa é o aqui e o agora. Esquecemo-nos do longo caminho percorrido por todos os que nos antecederam para que chegássemos até aqui. Somos frutos de todas as contingências permitidas pelo arquiteto das circunstâncias.

Com isso em vista, Paulo vaticina: “Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1 Co.15:19). Nossa vida é apenas um elo numa corrente interminável de elos que nos antecederam e que nos sucederão.

Carregamos conosco o DNA que recebemos de nossos progenitores e que repassaremos aos nossos herdeiros.

Podemos dizer que em certo sentido, nossa salvação pessoal implica também na reconciliação do tronco do qual somos ramos. Nossos pais foram redimidos em nós. Sua história foi justificada pelo fruto que ela produziu: nós. Repare: eu não disse que eles foram redimidos POR nós, mas EM nós.


Talvez tenha sido neste sentido que Paulo afirmou que a mulher seria salva “dando à luz filhos” (1 Tm.2:15). Um filho é capaz de redimensionar nossa vida, atribuindo-lhe novo significado. Toda dor que a mulher sente ao parir é justificada quando se lhe é dada a alegria de embalar nos braços o fruto do seu ventre. Nas palavras de Jesus, “a mulher quando está para dar à luz, sente tristeza, porque é chegada a sua hora, mas, depois de nascida a criança, já não se lembra da aflição, pelo prazer de ter vindo um homem ao mundo” (Jo.16:21).

Se nossos filhos são a nossa “salvação” (a justificação de nossa existência), somos, por assim dizer, a “salvação” dos nossos pais. Eles não são salvos por nós, mas EM NÓS!

O escritor de Hebreus diz que em Abraão, Levi, seu descendente de quarta geração, deu o dízimo (Hebreus 7:9). Portanto, o que meus filhos fizerem, de certo modo, será creditado a mim. E o que eu faço hoje, de igual modo, pode ser creditado àqueles que trago latentes em mim. Sou fruto de uma árvore, e ao mesmo tempo, trago em mim as sementes que originarão muitas outras árvores e seus respectivos frutos.

Em mim, Deus resgata a história dos meus pais. Nos meus filhos, minha própria história será justificada.
Não seria disso que Paulo falava ao citar a curiosa e misteriosa prática de batismo pelos mortos? Repare no contexto:

“Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo. (...) Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. (...) E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos. Doutra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos, se absolutamente os mortos não ressuscitam? Por que se batizam eles então pelos mortos?” 1 Coríntios 15:21-22, 25-26, 28-29

Muito já foi dito sobre a misteriosa passagem. Há até uma seita que promove batismo pelos mortos.

Particularmente não creio que Paulo estivesse falando de uma prática à parte do habitual batismo promovido na igreja primitiva. Outrossim, creio que o apóstolo estivesse reportando à abrangência da obra realizada por Cristo, representada na cerimônia batismal.

Creio que tanto a passagem em que Paulo diz que a mulher seria salva gerando filhos, quanto a que fala do batismo pelos mortos apontam numa mesma direção. Somos salvos ‘pelo’ futuro! Não me refiro à salvação em termos soteriológicos, mas no sentido de ressignificar a vida, dando-lhe um propósito que vá além de nosso horizonte existencial. No caso da mulher dando à luz parece ser claro. Quanto ao batismo pelos mortos, precisamos considerar que para nossos antepassados, nós somos o futuro. Portanto, em nós suas vidas são ressignificadas[1]. Quando somos batizados, tudo aquilo de que somos compostos, nossa bagagem existencial, nossa carga genética, nossa história desde nossos tataravôs, desce conosco às águas batismais. Nossa história é redimida.

Isso parece encontrar ressonância na promessa em que Deus afirma: “Sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam, mas faço misericórdia até MIL GERAÇÕES daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos” (Êx.20:5b-6).

Repare nisso: Deus visita a maldade dos pais NOS filhos. Os filhos são perpetuadores da história dos pais. Portanto, a redenção deles implica na redenção da história começada em seus pais. Uma vez que a misericórdia triunfa sobre o juízo, sua abrangência é sempre maior. O mesmo Deus que visita a maldade dos pais nos filhos até quatro gerações, tem misericórdia dos pais nos filhos até MIL GERAÇÕES.

Jesus ratifica este princípio ao desmascarar a hipocrisia dos fariseus:


"Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês edificam os túmulos dos profetas e adornam os monumentos dos justos. E dizem: ‘Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos antepassados, não teríamos tomado parte com eles no derramamento do sangue dos profetas’. Assim, vocês testemunham contra si mesmos que são descendentes dos que assassinaram os profetas. Acabem, pois, de encher a medida do pecado dos seus antepassados!” Mateus 23:29-32

Ora, se um indivíduo impenitente ajuda a completar a medida do pecado de seus antepassados, o que acontece com aquele que se arrepende? Este não apenas começa uma nova história, mas também provoca uma guinada na história dos seus ancestrais. Nossa história particular é um capítulo da saga de nossa família. Por isso, Deus promete a Abraão que através dele seriam benditas todas as famílias da terra. Sempre que alguém se volta para Deus, seu tronco familiar é abençoado.

Ao responder à pergunta do carcereiro de Filipo, Paulo afiançou-lhe que se cresse em Jesus Cristo, tanto ele quanto sua casa seriam salvos (At.16:31). Seria isso uma referência aos seus descendentes, à sua família atual, ou também englobaria seus ancestrais? O termo grego para casa é oikos, que em alguns textos do Novo Testamento alude às origens de uma pessoa. Em Lucas 1:27 lemos que José era da “casa de Davi”. Por isso mesmo, Jesus era chamado de “filho de Davi”.

Trago latente em mim aqueles que do meu tronco ainda brotarão. Da mesma maneira como estive latente em meus ancestrais. Por isso que quando Adão pecou, todos pecamos com ele, pois já existíamos nele.

Quando ele caiu, todos caímos. Porém, fomos enxertados na Videira Verdadeira que é Cristo, de maneira que também estávamos n’Ele durante o tempo de Sua peregrinação, desde o Seu nascimento até Sua ascensão.

Mesmo quando partirmos, continuaremos nossa peregrinação no mundo através daqueles que carregarem nosso DNA. Viveremos neles de maneira imanente, assim como eles vivem em nós agora de maneira latente. Porém, quando Cristo Se manifestar, também nos manifestaremos com Ele, de sorte que deixaremos a existência imanente pela existência patente. Porém, em Cristo existimos de maneira transcendente. Repare nisso: quatro formas de existência.

Latente, imanente e patente, transcendente.

Existimos de forma latente em nossos ancestrais. Existiremos de forma imanente em nossos descendentes. Existimos de forma patente durante o tempo de nossa peregrinação. Existiremos de forma transcendente através de Cristo pelos séculos dos séculos, e através disso, nossa essência será preservada para sempre.


Texto retirado do blog do Bispo Primaz da REINA
www.hermesfernandes.com

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